segunda-feira, 28 de abril de 2014

#9 - BOTÂNICA: O CIPRESTE, Nuno Júdice

No canto de terra onde o plantaram,
procura o sentido da linha recta. Não pretende
o círculo, a roda das estações, a fuga ao
eixo que a gravidade lhe impõe. Aceita
que o céu é o seu destino; e por isso
as suas raízes que se alimentam dos mortos,
que lhes cedem as almas para
que o tronco as liberte, no inverno,
quando o frio faz vibrar a luz que
o envolve. Não oferece a sombra
a quem passa; não pede a companhia
dos amantes que o evitam, em busca
de um abrigo de flores. O seu destino
é o ponto que o olhar fixa, para além
do azul, num infinito em que outras
raízes crescem, bebendo o leite negro
das mitologias.

#8 - REQUIEM PELA VELHA AMEIXIEIRA, Manuel Alegre

Crepita a madeira na lareira
crepita a velha ameixieira
seus veios são as minhas próprias veias
vejo arder as ameixas e o verão
crepita aquela que deu sombra e agora dá calor
crepita o melro o verdilhão o rouxinol
e em cada tronco palpita
o próprio sol.
Crepita o sumo que escorria
pelo teu rosto onde o tempo também ardeu
crepita a velha ameixieira
e quem com ela crepita
sou eu.


Águeda, Natal, 2001

quarta-feira, 23 de abril de 2014

#7 - A NESPEREIRA DAS VARANDAS, Ed. Bramão de Almeida

Anainha entre as grades irritantes
E o tronco num caixote indigno dela,
Sonha uma condição, que não aquela,
Adivinha jardins, hortos distantes.

Sem confiar, porém, no viandante
Que ela vê lá de cima da janela,
Deixou cair as folhas na ruela
E ergueu ao céu os braços suplicantes.

Eu, que venho do campo e ali fui nado,
Bem avalio a pena que lhe assiste
Longe do ar puro, e fresco, e perfumado.

Ó minha irmã! Ó pobrezinha! Ó triste!
Como tu, ando alheio, ando exilado,
Preso da mágoa a mais atroz que existe.

sábado, 19 de abril de 2014

#6 - ÁRVORE RUMOROSA, Ruy Belo

Árvore rumorosa pedestal da sombra
sinal de intimidade decrescente
que a primavera veste pontualmente
e os olhos do poeta de repente deslumbra

Receptáculo anónimo do espanto
capaz de encher aquele que direito à morte passa
e no ar da manhã inconsequentemente traça
o rasto desprendido do seu canto

Não há inverno rigoroso que te impeça
de rematar esse trabalho que começa
na primeira folha que nos braços te desponta

Explodiste de vida e és serenidade
e imprimes no coração mais fundo da cidade
a marca do princípio a que tudo remonta

sexta-feira, 18 de abril de 2014

#5 - "Árvores", Alberto de Lacerda

Árvores

O vento inebriado

O piar de certos pássaros

O jardim

O olhar que vai dar continuamente
Ao horizonte

As paredes vetustas

Rosas iluminando
O desmaiar lentíssimo
Da tarde

The Stone Bar
Pilton
19 de Agosto 97

quinta-feira, 17 de abril de 2014

#4 - EM MARÇO, Luís Quintais

Em Março chovia abundantemente. Eu atravessava o rio. O vento vergastava a chuva que me ensopava a roupa. Nada disso me faria desistir da quotidiana incursão. Havia um secreto encontro, uma dobra na passagem das horas, um infindável momento sobre as águas pluviosas de Março. Do que se tratava afinal? De uma simples árvore quebrada cujos ramos assomavam ligeiramente em furiosa perseguição. Na árvore eu via a beleza dos náufragos. E eu recebia-a. Insignificante dádiva do acaso. Generosa afluência meditando-me como os espelhos meditam. Fizesse eu da minha vida esta perene contemplação na tempestade, sempre em direcção aos altos céus de Março. Sob a forma da árvore indesistente, veria a verdade quando da verdade tivesse desistido. Um parêntesis no conformado desespero que me rói. Uma luminosa canção no epicentro da minha morte.

quarta-feira, 16 de abril de 2014

#3 - DOS PINHAIS, Fiama Hasse Pais Brandão

Ondulando, os pinhais
quiseram ser o mar.
Murmurando, quiseram ser
o vento. Mas somente
no meu ouvido eram vento,
nos meus olhos, mar.

E hoje, ali na encosta,
pinhais bordejam
o mar, sustêm o vento.

#2 - DA ÁRVORE, NUMA RUA DE LISBOA, Fiama Hasse Pais Brandão

Esta árvore só, insana,
chamou a si todos os pássaros
da rua. E aceita, assim,
mil olhos que, no crepúsculo
da tarde, se fecham,
mil olhos, abertos
no crepúsculo da manhã.



Av. da República, 1996

#1 - "Este céu peregrino onde viajam", Alberto de Lacerda

Este céu peregrino onde viajam
Meus olhos

Estas vozes sem voz que respondem
Ao meu silêncio

Este azul
Nimbado

Estes ciprestes

O cheiro das árvores que penetra
Nas gavetas antigas

O ar que murmura
Paralelo à eternidade:
Piero della Francesca

Piero della Francesca



Cortona,
30 de Jul. de 1969